Fósseis e a árvore filogenética de Mariana Castillo Deball

Mariana Castillo Deball nos apresenta os estudos por trás de Hipótese de uma árvore, instalação inédita criada pela artista para a #32bienal:


Árvore filogenética

"Gabriela Aguileta, uma amiga muito querida desde a escola, é evolucionária e bióloga. Recentemente, tivemos uma conversa sobre sua pesquisa, sobre como o campo da evolução mudou com a tecnologia, a pesquisa genética e o desenvolvimento das árvores filogenéticas. A árvore filogenética ou árvore evolutiva é um diagrama de ramificações mostrando as relações evolutivas inferidas entre várias espécies biológicas ou outras entidades - suas filogenias - baseadas em semelhanças e diferenças entre suas características físicas ou genéticas. Gabriela tem uma abordagem filosófica para a biologia e sempre acabamos falando sobre um tempo profundo. A última vez que falei com ela, perguntei qual seria a relação entre a paleontologia - o estudo dos fósseis - e o que ela faz, baseando-se em dados genéticos. Ela disse que eles são questões que estão muitas vezes em conflito e às vezes encontram teorias contraditórias sobre o tempo. Achei isso muito interessante e considerei se seria possível reunir esses dois mundos: o território de fósseis tangíveis que deixam marcas em pedras, e o estudo etéreo e cibernético de dados genéticos. Minha idéia para a #32Bienal teve base nesta contradição".


Solnhofen Museum: uma recriação de uma oficina de pedreira (à esquerda), e oficina litográfica (à direita)

"A jornada começou no museu de paleontologia em Solnhofen, no sul da Alemanha. Lá, há uma coleção impressionante de exemplares encontrados a partir de uma área considerada uma lagerstätte: um sítio contendo depósitos de fósseis do período Jurássico extraordinariamente preservados. O segundo andar do museu é dedicado ao ator e escritor alemão Johann Alois Senefelder (1771 - 1834), que também foi o inventor do processo de impressão litográfica em 1796. As pedras que Senefelder utilizava para a impressão eram do mesmo sítio paleontológico no sul da Alemanha. Achei bastante surpreendente que processos de gravação não-humanos e humanos tenham vindo do mesmo material e lugar".


Desenhos de estruturas geométricas por Alberto Vivar Abascal, Estúdio Castillo Deball

"Eu quis construir uma árvore filogenética tridimensional como um espaço muito denso, onde o espectador pudesse experimentar a enorme diversidade de espécies do interior. Cada um dos ramos da árvore filogenética corresponderia a uma espécie específica, e seria representado por uma fricção de tinta sobre grandes folhas de papel japonês".


Modelo de escala de Hipótese de uma árvore, Alberto Vivar Abascal, Estúdio Castillo Deball


Coleção paleontológica, Naturkundemuseum, Berlim

"Quando voltei para o meu estúdio em Berlim, encontrei-me com os paleontólogos Dra. Barbara Mohr e Dr. Florian Witzmann no Museu de História Natural. O museu recolhe e conserva fósseis e réplicas de fósseis originários da Europa e também internacionais. Lá, aprendi mais sobre a Formação Crato no Brasil, e comecei a experimentar com a frotagem (fricções da tinta sobre o papel), para ver o quão sensível a técnica é para capturar a textura e estrutura dos fósseis".


Merle Greene trabalhando em uma de suas frotagens, em Bonampak

"A técnica que seria usada para a obra foi emprestada de Merle Greene, uma arqueóloga americana, que fez uma extensa pesquisa na região maia. Gravou vários monumentos com frotagem, usando papel japonês e tinta, e completou cerca de 5 mil frotagens dos monumentos maias. Surpreendentemente, este exercício tátil produziu imagens muito claras do relevo da pedra sobre o papel, às vezes muito mais legível do que a pedra bruta em si".


Formação Crato

"A Formação Crato, localizada na Bacia do Araripe, nordeste do Brasil, é um dos sítios paleontológicos mais importantes do mundo. Viajamos até lá para encontrar fósseis e fazer frotagens".


Processo de criação de frotagem a partir de fóssil no Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri


Antônio Alamo Feitosa Saraiva, Juliana Manso Sayão e Renan Alfredo Machado Bantim no Parque dos Pterossauros, Santana do Cariri, Ceará

"A maioria das frotagens para a minha obra foram feitas no Cariri cearense, um local com o maior lagerstätte do Período Cretáceo no Brasil. Uma combinação de erosão e movimento das placas tectônicas trouxe uma combinação diversificada da história geológica da área em relação à sua superfície, permitindo que fosse estudada por paleontólogos e geólogos. Fui orientada e aconselhada pelos paleontólogos Juliana Manso Sayão, Renan Alfredo Machado Bantim, Flaviana Jorge Lima e Antônio Alamo Feitosa Saraiva".


Pedreira de calcário no geossítio Pedra Cariri, Ceará

"Algumas frotagens foram feitas in situ, e também foram incluídos elementos geológicos nos desenhos, tais como estratos calcários do geossítio Pedra Cariri. O calcário da Bacia do Araripe foi extraído e utilizado na construção civil brasileira desde o século 19. A pedra calcária natural é disposta em camadas finas de sedimentos que foram depositados pelas águas há mais de 112 milhões de anos. Nos últimos anos, um grande esforço tem sido feito para coletar os fósseis - incluindo os de vertebrados, invertebrados, insetos e plantas - extraídos de pedreiras de calcário. Esses tipos de fósseis são conhecidos como lagerstätte, um depósito sedimentar que exibe fósseis com excepcional preservação, às vezes incluindo tecidos moles preservados".


Fósseis de peixes (Período Cretáceo, 110 Ma) são comumente encontrados entre as camadas de calcário no geossítio Pedra Cariri, Ceará


Concreções calcárias removidas a partir de escavação, Parque dos Pterossauros

"Uma concreção é uma massa dura, compacta de matéria, formada pela precipitação de cimento mineral, formada no início da história do sedimento (110 Ma), antes que o resto do sedimento tenha endurecido e se tornado rocha. Popularmente conhecido como "pedra de peixe" as concreções podem às vezes preservar macrofósseis tridimensionais de pterossauros, dinossauros, tartarugas e plantas".


Concreção calcária contendo cristalização e conteúdo fossilífero (peixe), Parque dos Pterossauros


Trabalho no geossítio Cachoeira de Missão Velha, Ceará

"Frotagens foram feitas a partir de icnofósseis ou os chamados "vestígios fósseis", como os que foram deixados por vermes em pedras de lama (Período Devoniano, 420 Ma)".


Troncos petrificados, Formação Missão Velha (Período Jurássico, 145 Ma) encontradas no geossítio Floresta Petrificada do Cariri, Ceará

"Durante o período Jurássico, a área foi coberta por árvores, semelhantes a pinheiros. Árvores que caíram em rios, e, consequentemente, foram incorporadas em barro e lama e tornaram-se fósseis perfeitamente preservados".


Processo de frotagem no Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri

"Muitos dos fósseis extraídos e recuperados estão em exposição no University Museum, que contém uma grande coleção de peixes ósseos, Formação Santana (Período Cretáceo, 110 Ma), devido às regiões em contato com o Oceano Atlântico naquela época".


Depósito do Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri


Asa fossilizada de Pterossauro (Período Cretácio, 110 Ma), Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri

"Foram encontradas evidências de pelo menos 21 espécies de aves répteis gigantes na área".


Espécime de angiospermas (Cratosmilax jacksoni) a partir de registo fóssil do Departamento de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri (Período Cretáceo, 100 Ma)

"Angiospermas só começaram a surgir no final do Período Cretáceo, tornando tais fósseis bem preservados bastante raros".


Instituto de Geociências da USP


Seleção de espécimes, Instituto de Geociências da USP

"Minhas pesquisas e desenhos continuaram no Instituto de Geociências da USP sob a tutela do professor de Paleontologia, Luiz Eduardo Anelli. A coleção da universidade inclui uma grande quantidade de fósseis originais, réplicas em gesso e resina, e modelos ampliados de espécies microscópicas".


Formação de pedra ou "stromatolite", produzida por cyanobactéria, Instituto de Geociências da USP

"Bactérias microscópicas, tais como as cianobactérias, criaram estruturas únicas. Algumas datam de 3,7 bilhões de anos atrás".


Moldes de gesso e resina de ediacaranos ou vendianos biotafósseis. Instituto de Geociências da USP

"A coleção da universidade carrega réplicas de fósseis ediacaranos (Período Ediacarano, 600 Ma), organismos que resistem de acordo com a árvore da vida; nem sequer estabelecidos como animais. Sugere-se que eles eram líquenes, talvez, algas, protistas conhecidos como foraminíferos, fungos ou colônias microbianas, ou de um intermediário hipotético entre plantas e animais".


Mapa esquemático da árvore filogenética para a escultura final

"À medida que o trabalho de pesquisa se deu - de Berlim a Crato e São Paulo - problemas surgiram: algumas espécies nunca deixaram fósseis (como fungos), algumas eram microscópicos (ou seja, bactérias, archaea, protozoários), e outros evoluíram muito recentemente para deixaram fósseis (plantas floridas). Como em um jogo de estratégia, cada cientista que colaborou no trabalho, me ajudaria a adaptar o mapa: ajustando a ordem, acrescentando e removendo espécies para organizar a coleção de fósseis, mas permanecendo dentro da lógica e das limitações físicas da árvore filogenética".


Processo de instalação com espacialistas em bambu da Bambu Carbono Zero

"A obra de arte final foi uma estrutura em espiral de bambu, com base em uma árvore filogenética, mostrando as relações evolutivas entre espécies biológicas. A partir da estrutura estão penduradas as frotagens de sedimentos fósseis da formação Crato (Chapada do Araipe), do Museu de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri, e do Instituto e oficina réplica do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo".


Hipótese de uma árvore, 2016